sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Empreendedorismo e Arte (Entrevista)


Porque o curso de direito? Alguma vez chegaste a exercer?

Quando era adolescente já tinha um lado, um pouco “rebelde”, que queria intervir na sociedade para ajudar a mudar o que entendia que estava mal. Pareceu-me que ter uma formação jurídica me iria ser útil para perceber o “sistema” e poder intervir nele por dentro; Por outro lado, uma vez que cresci a ver cinema, confesso que alguns filmes de tribunal clássicos de Hollywood, nos quais os advogados surgem como figuras carismáticas e oradores impactantes, também me influenciaram…
Assim, fiz o curso e ainda exerci durante o estágio. No final do estágio, o apelo das artes e do desenvolvimento pessoal foi mais forte e suspendi a minha atividade como advogado, para poder dedicar-me inteiramente às minhas atividades relacionadas com a criatividade e com a formação.
De qualquer das formas, reconheço hoje que o curso de direito foi de grande utilidade, não tanto pelos conteúdos, uma vez que não o aplico, mas pelos processos cognitivos e disciplina nos métodos de estudo e de trabalho que tive de desenvolver ao longo desses cinco anos de licenciatura e dois de estágio.

Quando sentiste o apelo pelas artes, nomeadamente pelo teatro?

Desde sempre que sinto uma inclinação para as artes visuais e performativas. Passava horas a ler banda desenhada e a desenhar quando era criança, depois descobri o cinema e tornei-me cinéfilo e, já na escola secundária, comecei a fazer teatro. Depois, enquanto era estudante de direito, fiz o curso profissional de representação da Seiva Trupe (no início do anos noventa era o único curso de teatro no Porto) e atuei em algumas peças.

Como foi o percurso profissional?

Ainda durante o estágio de advocacia, tive a oportunidade de frequentar um curso longo, de cerca de 1200 horas, de psicopedagogia de adultos, nos quais descobri, entre outros, aspetos da psicologia da aprendizagem, liderança de equipas, métodos e técnicas pedagógicas e aprendi a desenhar planos de formação. Nessa altura fiquei entusiasmado com a ideia de ser formador e comecei a criar cursos nos quais relacionava as técnicas teatrais com o desenvolvimento pessoal.
Fui dos primeiros formadores em Portugal a dar cursos de Criatividade e Resolução Criativa de Problemas, relacionando este tema com a gestão emocional e com a expressão dramática. Isso fez com que ganhasse algum nome no meio e fosse angariando clientes.
Entretanto, fiz o mestrado sobre Cinema Formativo, criei a minha própria marca, e sou há dezoito anos formador freelancer nesta área das “Soft Skills”. Ao longo deste período nunca parei de frequentar cursos artísticos e comportamentais e de relacionar os temas, criando programas que pretendo que sejam inovadores e úteis para os meus clientes.

Foi claro desde início a interligação das técnicas do teatro e a sua aplicabilidade em contexto empresarial?

Sim, de forma intuitiva. Isto é, eu não tinha dados racionais que demonstrassem que a aceitação seria boa, no entanto, o impacto que teve em mim foi tão forte, que eu não via outra forma de abordar os temas de formação que dou. Não faz sentido, por exemplo, querer treinar competências comunicacionais usando apenas o método expositivo e diapositivos. É necessário criar ambientes formativos desafiadores que mobilizem não só a mente, mas também as emoções e o corpo dos participantes para que a experiência seja mais intensa, impactante, e logo promova mudanças verdadeiras. Ninguém muda comportamentos apenas a pensar. O difícil é criar e implementar novos hábitos e, para isso, é preciso sair da zona de conforto dos velhos hábitos que já não funcionam. O espaço da formação deve ser um espelho para tomar consciência desses velhos hábitos e um abrir de portas para as novas possibilidades. As técnicas ativas, nomeadamente as teatrais, são excelentes para esse efeito.

De que forma as técnicas de improvisação teatral podem potenciar o espírito empreendedor?

Improvisar no teatro é estar atento, aqui e agora, e tomar decisões. É na verdade, aproveitar as oportunidades que o acaso no dá. Grandes feitos criativos são resultado do acaso, ou, usando uma palavra de que gosto muito, da “serendipidade”, a arte de fazer descobertas felizes. É necessário estar atento e preparado para as coisas boas que o acaso nos pode dar e, para isso, é necessário, ter a coragem de abandonar os planos, quando eles já não nos servem.
Um empreendedor deve ter esta predisposição para improvisar, estar tranquilo na ambiguidade e manter-se focado no aqui e agora para potenciar as oportunidades que surgem em cada momento para o seu negócio. Deve também ter a resiliência de perceber como é que um fracasso pode na verdade ser “apenas” um bom feedback para mudar de caminho e persistir na “cena” até arrancar o aplauso do público.
Tive o prazer de dar aulas de técnicas de improvisação teatral no Mestrado em Inovação e Empreendedorismo Tecnológico da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto e guardo excelentes recordações da recetividade dos alunos. No início estranhavam a exposição pessoal desta abordagem, mas rapidamente aderiam aos jogos de forma entusiasmada, reconhecendo a importância deste treino prático e, acima de tudo, dos insights retirados para a sua vida enquanto empreendedores.  

Nasce-se empreendedor, ou aprende-se a ser empreendedor?

Ambos. Creio que como nas outras áreas, há uma predisposição genética e há uma parte que é influenciada pelo meio e pela aprendizagem. No meu caso, nasci numa família humilde que “subiu a pulso” com um negócio na restauração e isso de alguma forma também me influenciou. Nunca me imaginei a trabalhar por conta de outrem. Gosto da independência e da liberdade de criar os meus projetos e decidir em conjunto com os meus clientes. Gosto de ser “parceiro” e não “empregado”. Gosto de fazer acontecer em conjunto e não apenas de obedecer, mesmo tendo de correr o risco da insegurança de ser freelancer. Há, de facto, um lado que nasce connosco e outro que é resultado da educação e da observação das pessoas que admiramos e que nos influenciam enquanto crescemos.

Hoje uma área de atuação do Vitor é a felicidade. De que forma esta é importante em contexto empresarial?

 A psicologia positiva, ou o estudo da felicidade humana, é um dos cursos que mais estou a dar nestes últimos anos. É um assunto fascinante e que está ter grande aceitação nas empresas. A investigação demonstra que as pessoas felizes são mais saudáveis, vivem mais tempo, são mais populares e são melhor sucedidas. Uma pessoa com o cérebro positivo tende a ser 31 por cento mais produtiva do que uma pessoa com o cérebro negativo, em stresse ou neutro. As empresas começam a perceber que o bem-estar dos colaboradores e a produtividade não são afinal incompatíveis, antes pelo contrário! Se criarmos um ambiente emocional positivo, de foco nas forças dos colaboradores, o compromisso aumenta e os resultados aparecem.
Quando começo a falar de técnicas para aumentar o bem-estar, dos hábitos que aumentam a felicidade e das estratégias para lidar com pessoas negativas ou “tóxicas”, reparo que a atenção dos formandos aumenta imediatamente. As pessoas querem e precisam deste tema no atual clima emocional das empresas em Portugal.

O Vitor é um empreendedor. Que conselhos daria a quem deseja empreender atualmente?

É preciso fazer: arriscar, aprender, adaptar e continuar. São cansativos os empreendedores que pensam demais antes de dar qualquer passo. Há um lado “louco”  no empreendedorismo, que aproxima os empreendedores dos artistas. O conselho que posso dar é que avancem quando tiverem a certeza que acreditam na sua ideia, que ela vai melhorar a vida de alguém, e que estão dispostos a trabalhar arduamente para encontrar as ferramentas e os apoios para a tornar realidade.

Um empreendedor que seja um exemplo inspirador para ti?

É difícil escolher apenas um, pois para mim são empreendedores não só os gestores, mas também, num sentido mais lato, os artistas que tem a coragem de deixar uma marca pessoal com a sua obra, muitas vezes contra a opinião generalizada. É óbvio que os que acabam por ter sucesso são mais marcantes, mas devemos também olhar para a coragem e aprender com os que fracassaram.
Admiro todos os que viram o que os outros não viram, que tiveram a coragem de seguir a sua intuição e avançar, que o fizeram com a intenção de melhorar o mundo, e que nesse percurso foram sempre genuínos e honestos com quem os rodeia.


Entrevista publicada na Revista digital START and GO.