segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Os Perigos do Ego na Liderança


Conheço pessoas que andam na rua como se fizessem um favor ao acto de andar. É perigoso julgarmo-nos maiores do que a nossa tarefa –explicava o senhor Valéry.

Gonçalo M. Tavares in ‘O Senhor Valéry’



Querer ganhar sempre, querer ficar sempre bem na “fotografia”, querer ter sempre a última palavra, vai retirar-lhe criatividade e impacto na comunicação porque vai estar mais preocupado em ter razão do que em ser espontâneo. Quando nos levamos demasiado a sério temos a tendência para querer dizer e fazer as coisas “certas” e estas não são necessariamente as mais criativas ou as mais adequadas para motivar e mobilizar as emoções das equipas.

Ao longo da minha carreira como formador, tenho reparado que os grupos me aceitam melhor, e obtenho melhores resultados, quando tenho uma atitude rigorosa, mas humilde. Isto é, quando estou disposto a ouvir os outros, a valorizá-los e a adaptar as minhas propostas de acordo com as suas necessidades. Concluo que quando uso o humor e não estou demasiado preocupado com a minha imagem ou com aquilo que possam pensar sobre mim é curiosamente quando tenho ideias mais originais e sinto mais sintonia com as pessoas. O ideal é não querer parecer, simplesmente ser. É que, por muito que tentemos, nunca vamos conseguir controlar totalmente a percepção que os outros têm de nós e às vezes o melhor caminho para que nos recusem é querer agradar a todo o custo, engrandecer o ego, vender qualidades, contar feitos, ofuscar com o brilho pessoal.

O ego pode ser um grande amigo no acto da liderança criativa porque nos dá confiança, auto-estima e ajuda a lidar com as criticas que sempre esperam os pioneiros e aqueles que remam contra a maré, mas pode também ser um grande obstáculo quando nos leva a olhar apenas para o umbigo.

Recordo-me do programa de humor dos Gato Fedorento nas últimas eleições legislativas que consistia em fazer entrevistas sobre um assunto sério a gente séria de forma brincalhona. Um enorme sucesso de audiência. Porquê? Talvez porque queríamos ver se os nossos políticos teriam a humildade e a inteligência de se rir de si próprios, e entrar na lógica espontânea e clownesca do Ricardo Araújo Pereira, ou se iam continuar a levar-se demasiado a sério. O facto de alguns políticos surpreenderem pela positiva, mudando a imagem “cinzentona” que tinham noutros contextos, ao entrar no jogo do humor à custa do próprio, não lhes retirou qualquer legitimidade ou profissionalismo.

Baseando-se em cinco anos de pesquisa exaustiva, David Marcum e Steaven Smith estudaram a forma como a má gestão do ego pode ser um grande obstáculo ao sucesso e os cuidados que devemos ter. O seu livro tem um título sugestivo: Egonomics – O que torna o ego o nosso maior activo (ou o nosso mais elevado passivo). Concluíram que podemos numa simples reunião ou conversa observar indícios claros das atitudes que manifestam um ego que se está a tornar um obstáculo:

- Ser comparativo – Disse William Saroyan que ‘Todo o homem no mundo é melhor do que alguém, e não tão bom como alguém’. Estar constantemente a comparar-se com os outros é uma terrível armadilha da competição pois está a perder tempo a querer ser tão bom ou melhor do que alguém que deixa de estar focado em expandir o seu potencial único, o seu próprio caminho. A comparação não dever ser com o outro, mas sim com aquilo que já fez e que quer ainda vir a atingir.

- Ser defensivo - Este é um dos indícios mais observado em más reuniões: ver alguém que está mais preocupado em defender-se a si próprio, do que em defender as suas ideias. Quando defendemos os nossos argumentos como se fosse a nossa identidade estamos tão preocupados em querer ficar bem vistos e em não admitir um eventual erro ou a necessidade de mudar algo, que o centro passa ser apenas a nossa necessidade de auto-afirmação e não gerar soluções criativas para a resolução do problema de todos. Lembre-se de que não é de si que eles não gostam, é das suas ideias.

Exibir brilhantismo – O que é paradoxal neste indício é que, como dizem Marcum & Smith: ‘Quanto mais queremos e esperamos que as pessoas reconheçam, apreciem, ou fiquem espantadas perante a nossa esperteza, menos elas ouvirão, mesmo que tenhamos as melhores ideias’. Assim há que distinguir a atitude de exibir – que nos coloca numa posição de superioridade e nos afasta do outro, da atitude de partilhar – que nos conecta com os outros e nos coloca em sintonia. Os bons líderes sabem que precisam dos outros para terem e aplicarem as melhores ideias.

- Buscar aceitação – Este indício pode não decorrer de um ego excessivo, mas antes de um ego insuficiente. Pode manifestar uma baixa auto-estima, que procura constantemente ser valorizada pelos outros. O maior obstáculo à liderança aqui centra-se na tendência para se ser mais simpático e menos eficaz, uma obsessão para agradar que impede de contribuir criativa e positivamente. O que é irónico é que quanto menos estivermos preocupados em sermos aceites pelos outros, mais aceitação e confiança verdadeira vamos obter. Cuidado que uma das estratégias mais vulgares para tentar recuperar o valor é tentar diminuir o valor dos outros. Toda a gente perde.

Quais são, então as melhores atitudes para manter o ego como um aliado? Segundo Marcum & Smith: a humildade, a curiosidade e a verdade. ‘A verdadeira humildade é auto-estima inteligente que nos impede de termos uma ideia excessivamente boa ou má a respeito de nós próprios. Lembra-nos quão longe chegámos e, ao mesmo tempo, ajuda-nos a ver quão longe estamos daquilo que podemos ser’, lembram os autores.

Quando sentir estes indícios de que se está a levar demasiado a sério, e por isso não lhe surgem boas ideias nem consegue mobilizar o melhor das pessoas, relativize (se) para ganhar perspectiva. Brinque, ria-se das suas situações embaraçosas, ouça (mesmo) os outros, peça ajuda… enfim, compreenda que enquanto está a carregar esse peso sozinho, está um mundo de múltiplas possibilidades a passar-lhe ao lado.

É que, como escreveu Alain de Botton, ‘Não existe nada mais nobre, ou mais profundamente humano, do que a percepção de que somos, de facto, e no essencial, fundamentalmente iguais a toda a gente’.